segunda-feira, 28 de setembro de 2020
Espectros políticos ou a carta aberta ao meu amigo Nuno
Discuto amiúde com um confrade deste espaço o espectro político nacional. O Nuno que é óbvio e me dispensará o anonimato tem sempre a esse respeito uma linha de raciocínio que me inspira sempre a reflexão tutti frutti de sorrir, revirar os olhos, semi perceber sem poder concordar. E acho que tenho andado em busca do raciocínio mais elaborado do que a resposta que lhe dou sempre de que "lá estás tu, não é nada disso...".
Expliquemos que o Nuno, tipo de uma ética conservadora de direita cristã em quase tudo tem para ele a convicção do seu ideário que oscilo entre concordar, compreender, respeitar. Tem para ele que a democracia se faz em sã dialética entre a esquerda, o centro e a direita, apesar das dissonâncias táticas. E eu concordo. Tem para ele que fenómenos de tipo "Chega" são preocupantes. E eu assino por baixo. Mas depois acrescenta com um sorriso que mete a extrema esquerda do PCP e Bloco de Esquerda no mesmo saco e lá chegamos ao início desta história em que me parece absurdo mas em que ao mesmo tempo não consigo refutar completamente esse ponto de vista, face aos "issues" menos democráticos dessas linhas partidárias. E na verdade o Nuno pensa nos cânones de quase toda a direita conservadora que os marxistas são um inimigo perigoso e a mim me pareceu sempre que mal mas com alguma dificuldade em explicar porque é que PCP, Bloco e Chega são coisas muito diferentes. Se calhar, antes disso e em honestidade intelectual explicar a mim próprio se são realmente coisas muito diferentes.
Há dias alguém me deu uma ajuda. Um tipo insuspeito chamado Lobo Xavier.
Dizia o Lobo Xavier algo muito interessante ao comentar o que lhe parece ser o DNA do Chega. Que pensou até determinado ponto que se sobrepusesse à ala mais direita do seu CDS mas que deixou de pensar assim. Essa ala mais direita (estou a citar de vaga memória) é de pessoas com respeito ao salazarismo, retornados com algum ressabiamento, elites e burgueses que de algum modo se sentiram destratados pela democracia, católicos mais conservadores que sintam ameaça liberal aos seus valores. Tudo pessoas clivadas à direita que até o chegam a achar demasiado à esquerda mas pessoas que ele tem por civilizadas, tratáveis, bem formadas. A arruaça surreal que ele vê no Chega não é nada disso e nada tem a ver com o resto da cultura partidária portuguesa. E depois falou da extrema esquerda sem lhe chamar extrema esquerda. Disse que eram partidos do sistema - no bom sentido. E mesmo que tenham para lá alguns tipos e alguns cânones de umas ideias mais déspotas ou revolucionárias a verdade é que jogam o jogo.
Lobo Xavier disse duas coisas muito importantes para eu estruturar o meu raciocínio: apesar de algumas nuances internas a esquerda portuguesa faz parte do espectro benigno do sistema; apesar de algumas nuances internas o CDS faz parte do espectro benigno do sistema. Numa democracia pacificada de décadas são rivais ideológicos que contrapoem e por isso equilibram visões de economia e ética social. Fazem falta e todos já têm provas dadas de serem partes hábeis a dar soluções para o país. A visão de crispação ideológica historicamente agrilhoada a ditaduras e PRECS da vida está no DNA da História e dá "razões" a ambos os lados mas deve ser sobretudo História. As pessoas dos dois lados, com as suas crenças pessoais são apesar disso e em boa parte também por isso, pessoas de bem. Também aqui Lobo Xavier dizia uma coisa em que me revejo "conheço pessoas de muitos meios". Eu também. Isso ajuda-me a crer que nenhum dos lados é diabolizável ou dono da razão.
Este é o primeiro ponto em que de repente me era cristalino porque é que o Nuno se equivoca. A "extrema esquerda" não é um foco de desequilíbrio. Pelo contrário é em haver contraponto entre essa esquerda que não é extrema e algumas ideias menos centrais de um DNA democrata cristão que há equilíbrio.
O Chega é outra coisa: é um ideário atroz, medíocre, populista e desonesto e que ameaça o sistema. Não faz parte do espectro. É num outro sentido da palavra um espectro tenebroso. E este é o segundo ponto de equívoco do Nuno. A esquerda parlamentar não tem nada a ver com o Chega. Os homens da esquerda parlamentar partilham com os da direita parlamentar algumas ideias básicas de etica e humanismo e democracia. E isto faz toda a diferença entre tipos que não me assustam e tipos que me assustam (e me fazem rir, tem dias)
Mas depois chegamos ao ponto em que o Nuno tem uma certa razão e em que as minhas teses vacilam e a visão do Lobo Xavier me suscita reservas..
E os devaneios totalitários dos cânones da esquerda? É verdade, há lá alguns tipos que ainda sonham com coisas parvas. E essa ala mais ressabiada do CDS. Serão todos assim tão "tratáveis"? Não o creio...
Mas na fluidez natural de posições no espectro partidário essas nuances fazem parte. É também por isso que a esquerda e a direita parlamentar são importantes. São a muralha que nos separa do desconhecido selvagem. Mesmo que essa contenção tenha o duplo significado de fazer frente a alguns extremismos e ao mesmo tempo os assimilar e diluir na sua diversidade interna.
Fecho com uma citação do mesmo debate, créditos a outro autor.
Pacheco Pereira dizia que a forma como nos habituámos a contrapor esquerda e direita é redutora.
Não podia estar mais de acordo.
Rui Pedro Azevedo
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Respondi em post autónomo, porque o texto era grande demais para entrar como comentário. Abraço!
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