«As Destemidas» é um programa de televisão, classificado como infantil/juvenil, que passa na RTP 2, no espaço Zig Zag, um espaço de programação pensado para crianças dos 18 meses aos 14 anos.
O conteúdo da série aparece descrito no site da RTP da seguinte forma: "Histórias de mulheres excecionais, ousadas e decididas que fizeram o que quiseram e lutaram pelos seus sonhos. Mulheres de ideais, épocas, idades e mundos muito distintos, que foram capazes de ir para além das convenções e preconceitos sociais e triunfaram perante as adversidades.
Cientistas, atrizes ou ativistas que desejaram ser independentes, viajar, ser úteis, estudar, trabalhar, chegar ao poder de um país, ou simplesmente... salvar um farol!"
Parece educativo, inofensivo e apropriado para sensibilizar as crianças para os direitos das mulheres, certo? Pois parece, mas não é.
O episódio que tem causado maior celeuma nas redes sociais é o respeitante a Thérèse Clerc, e pode ser visto aqui.
Este episódio começa por nos apresentar Thérèse como filha de uma família católica "muito conservadora", na qual lhe seria incutido que uma mulher deveria ser bonita e dócil, e virgem até ao casamento, tendo como "única distração" a Igreja. Prossegue com uma cena do marido a declarar-lhe que irão conceber mais um filho, reagindo Thérèse aos pais e marido sempre com uma obediência aborrecida e resignada.
Depois, Thérèse descobre o marxismo através dos padres operários, que apregoavam a liberdade dos homens, mas ainda numa perspectiva que não incluía o feminismo.
Mais tarde, junta-se ao movimento pró-aborto em França, que usa o slogan "o meu corpo pertence a mim", e toma a decisão de sair de casa com os seus quatro filhos (momento marcado pela banda sonora como sendo de entusiasmante heroísmo e libertação), para ir viver com outra mulher, iniciando com esta uma relação homossexual (o que não é dito pela narradora, mas é explicitado por um beijo na boca entre as duas mulheres). Mistura-se assim a emancipação da mulher com homossexualidade.
Relata-se ainda que Thérèse se dedica a fazer abortos ilegais apesar do risco que isso comporta, com mais um slogan "filhos se eu quiser, quando quiser", e que o seu movimento consegue a legalização do aborto em França, o que é apresentado como algo de muito positivo.
Por fim, relata-se a criação por Thérèse de uma residência para mulheres séniores.
Estes assuntos são tratados num vídeo de menos de 4 minutos.
Mesmo para adultos já familiarizados com estes temas, um video de tão reduzida dimensão apenas permitiria passar uma mensagem panfletária, e nunca uma abordagem séria de assuntos tão complexos.
Quando dirigido a crianças dos 18 meses aos 14 anos, é completamente desapropriado. Se as crianças mais velhas deste grupo já podem ser introduzidas a estes temas - com apoio de educadores idóneos e responsáveis, nomeadamente os respectivos pais - a simples emissão destes "video-panfletos" em espaços televisivos destinados ao público infantil/juvenil constitui incumprimento dos deveres elementares de neutralidade ideológica de um serviço de televisão público.
Estes assuntos podem e devem ser tratados e discutidos, nomeadamente na televisão pública, mas o seu lugar não é nos espaços de animação destinados às crianças mais jovens.
No caso em apreço, de forma panfletaria, e por isso simplista, descontextualizada e ideologicamente marcada, de uma ssentada e em menos de 4 minutos, incutem-se nas crianças sentimentos anti-católicos e pró-marxistas, pró-aborto, pró-divórcio e pró-homossexualidade. Isto nada tem de inocente, ou de inofensivo.
Um serviço público de televisão tem (tal como a escola pública, por identidade de razão), a obrigação de ser ideologicamente neutro, sobretudo na programação infantil e juvenil. Cabe às famílias, e não ao Estado, educar os seus filhos, sem interferência dos poderes públicos (excepto naturalmente nos casos em que esteja em causa a segurança e bem estar da criança). A isso se chama liberdade.
O Estado deve ser laico, mas há uma grande diferença entre ser independente das várias religiões (nomeadamente das mais dominantes), e ser militantemente ateu e anti-religioso (ou mesmo especificamente anti-cristão).
E se alguma dúvida houver de que este video-panfleto não é ideologicamente inocente, pense-se nas veementes críticas que suscitaria se, em vez de uma mensagem marxista/ feminista, contivesse explicações sobre os factos insofismáveis de que o aborto implica a eliminar uma vida humana, de que o sistema reprodutivo tem como objectivo (do ponto de vista biológico/darwiniano) a perpetuação da espécie (e não finalidades meramente recreativas), ou que todos os países em que o marxismo/comunismo chegou ao poder se transformaram em ditaduras brutais.
Utilizar meios públicos para doutrinar as gerações futuras desde uma tenra idade numa determinada ideologia, substituindo-se ou até impondo-se às respectivas famílias, é próprio dos regimes totalitários, não das democracias.
Portugal não é, obviamente, um estado totalitário, e precisamente por isso a televisão pública não se deveria comportar desta forma.
Nuno B. M. Lumbrales
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