terça-feira, 21 de julho de 2020

O Estado da Nação

A globalização tem destas coisas: somos infectados por todo o tipo de vírus, não nos escapa nem o corona, nem tampouco o vírus do desnorte que nos leva a rodar tipo catavento, para onde o vento sopra. A falta dum pensamento estratégico é uma consequência directa deste segundo tipo de virus.

Nos recentes episódios das estátuas - que o tempo já quase apagou da nossa memória, pois já se seguiram todo o tipo de notícias, muito centradas em casos de corrupção como o que envolve o Espírito Santo e que grassam por cá, ou nos sempre estridentes gritos do mundo do futebol como p.e. aquela que nos dá nota do regresso de Jesus, só mesmo apelando à primeira pessoa da Santíssima Trindade para nos livrar de tanto erro e tanto engano, podemos reganhar alguma paz para perspectivar o mundo que devemos procurar construir. 

Fazendo um pouco de exercício de memória, os presentes tempos pedem-nos pessoas que se façam respeitar como foram o caso de Vasco Graça Moura e António Mega Ferreira, que enquanto tomavam uma refeição, sonharam em comemorar os 500 anos do caminho marítimo para a Índia e lançaram a ideia da Expo 98. Foi um verdadeiro desígnio nacional, que não fora a autoridade de ambos e a respeitabilidade que inspiravam e facilmente nos teríamos enredado numa discussão de politicamente correcto, estéril e desmotivante. 

Gostava de perguntar se o exercício de uma experiência comemorativa que se viveu com a Expo 98 não foi a capacidade de encontro e de festejar a partilha a uma humanidade maior, mais do que o que muitas vezes se discute, na banalidade e mediocridade do pensar baixinho, que estas datas evocam no espírito de muitos intelectuais e supostos bem-pensantes.

Recentemente, também Tolentino de Mendonça, no dia de Portugal, festejado nos Jerónimos por um grupo de apenas 7 personalidades, representantes dos órgaõs de soberania - e em última instância de todo um País fechado em casa, relembrou Luís de Camões, cujos Lusíadas são antes de tudo um manual de cabotagem na vida.

A discussão sobre um Museu das Descobertas inscreve-se nisto: Lisboa uma cidade aberta ao mundo, enriqueceu grandemente pelo rasgar dos oceanos e faz falta um lugar que permita que Lisboa viva essa experiência, não se esquecendo dela, educando quem por lá passe, tanto as novas gerações como os cidadãos comuns, alargando a sua cultura, abrindo vias de interrogação, de espanto, aguçando a curiosidade e promovendo a interacção e o debate.

Existe em Lisboa o Museu de Marinha, que é extraordinário pelo seu espólio, mas muito antiquado. 
Recentemente passei pelo Museu da Marinha de Amesterdão https://www.hetscheepvaartmuseum.com/ e parece, em comparação, da Era Lunar!

Hoje os museus  promovem uma narrativa, aliás ensaiam uma série de vias narrativas, provocando o visitante. Pense-se no Vasa em Estocolmo. Um museu sobre apenas um barco, um lindíssimo navio que afundou na própria cerimónia de inauguração e que esquecida a enorme humilhação só resgatado das águas passados 333 anos! https://www.vasamuseet.se/pt.

O que nos ensinam tempos de crise é que precisamos de pessoas que consigam olhar para a frente, não se deixem levar para a discussão no lodo.

Ontem via um documentário sobre personalidades marcantes do pensamento italiano. Falava-se sobre Franco Modigliani, Prémio Nóbel da Economia https://pt.wikipedia.org/wiki/Franco_Modigliani. Dizia ele que ter vivido grande parte da sua vida na América num período de grande prosperidade fez com que tivesse tido uma vida muito boa.

E pensei imediatamente na vida de tanta gente em Portugal nos nossos dias:

1. Que riqueza se produz no nosso país? 
2. Quais são as empresas prósperas que permitem distribuir riqueza? 
3. Quantos investimentos (nomeadamente estrangeiros) não são comprometidos pela enorme carga burocrática que esgota toda a energia criadora? 
4. E nós próprios, quanto do nosso tempo não é utilizado em resolver problemas que nos tiram toda a energia e vontade de inovarmos e termos uma vida cheia e interessante? (lembro-me certo dia de estar em trabalho numa CM deste país e alguém irritado com a burocracia dizer: se houvesse tanta burocracia no tempos dos Descobrimentos, nenhum barco teria saído do cais!)

Hoje comprei um livro recentemente lançado: "Esperança e Reivenção, ideias para o Portugal de Futuro" (coord. Luís Ferreira Lopes, Ed. Guerra e Paz). Tenho alguma curiosidade.

Duarte de Lima Mayer, advogado







sábado, 11 de julho de 2020

RTP 2: Serviço Público de Televisão ou Distopia Educativa?

    «As Destemidas» é um programa de televisão, classificado como infantil/juvenil, que passa na RTP 2, no espaço Zig Zag, um espaço de programação pensado para crianças dos 18 meses aos 14 anos.
 

 O conteúdo da série aparece descrito no site da RTP da seguinte forma: "Histórias de mulheres excecionais, ousadas e decididas que fizeram o que quiseram e lutaram pelos seus sonhos. Mulheres de ideais, épocas, idades e mundos muito distintos, que foram capazes de ir para além das convenções e preconceitos sociais e triunfaram perante as adversidades.
Cientistas, atrizes ou ativistas que desejaram ser independentes, viajar, ser úteis, estudar, trabalhar, chegar ao poder de um país, ou simplesmente... salvar um farol!"


    Parece educativo, inofensivo e apropriado para sensibilizar as crianças para os direitos das mulheres, certo? Pois parece, mas não é.

    O episódio que tem causado maior celeuma nas redes sociais é o respeitante a Thérèse Clerc, e pode ser visto aqui.

    Este episódio começa por nos apresentar Thérèse como filha de uma família católica "muito conservadora", na qual lhe seria incutido que uma mulher deveria ser bonita e dócil, e virgem até ao casamento, tendo como "única distração" a Igreja. Prossegue com uma cena do marido a declarar-lhe que irão conceber mais um filho, reagindo Thérèse aos pais e marido sempre com uma obediência aborrecida e resignada.


    Depois, Thérèse descobre o marxismo através dos padres operários, que apregoavam a liberdade dos homens, mas ainda numa perspectiva que não incluía o feminismo.


    Mais tarde, junta-se ao movimento pró-aborto em França, que usa o slogan  "o meu corpo pertence a mim", e toma a decisão de sair de casa com os seus quatro filhos (momento marcado pela banda sonora como sendo de entusiasmante heroísmo e libertação), para ir viver com outra mulher, iniciando com esta uma relação homossexual (o que não é dito pela narradora, mas é explicitado por um beijo na boca entre as duas mulheres). Mistura-se assim a emancipação da mulher com homossexualidade.


    Relata-se ainda que Thérèse se dedica a fazer abortos ilegais apesar do risco que isso comporta, com mais um slogan "filhos se eu quiser, quando quiser", e que o seu movimento consegue  a legalização do aborto em França, o que é apresentado como algo de muito positivo.


   Por fim, relata-se a criação por Thérèse de uma residência para mulheres séniores.


   Estes assuntos são tratados num vídeo de menos de 4 minutos.


   Mesmo para adultos já familiarizados com estes temas, um video de tão reduzida dimensão apenas permitiria passar uma mensagem panfletária, e nunca uma abordagem séria de assuntos tão complexos.


    Quando dirigido a crianças dos 18 meses aos 14 anos, é completamente desapropriado. Se as crianças mais velhas deste grupo já podem ser introduzidas a estes temas - com apoio de educadores idóneos e responsáveis, nomeadamente os respectivos pais - a simples emissão destes "video-panfletos" em espaços televisivos destinados ao público infantil/juvenil constitui incumprimento dos deveres elementares de neutralidade ideológica de um serviço de televisão público.


    Estes assuntos podem e devem ser tratados e discutidos, nomeadamente na televisão pública, mas o seu lugar não é nos espaços de animação destinados às crianças mais jovens.


    No caso em apreço, de forma panfletaria, e por isso simplista, descontextualizada e ideologicamente marcada, de uma ssentada e em menos de 4 minutos, incutem-se nas crianças sentimentos anti-católicos e pró-marxistas, pró-aborto, pró-divórcio e pró-homossexualidade. Isto nada tem de inocente, ou de inofensivo.


    Um serviço público de televisão tem (tal como a escola pública, por identidade de razão), a obrigação de ser ideologicamente neutro, sobretudo na programação infantil e juvenil. Cabe às famílias, e não ao Estado, educar os seus filhos, sem interferência dos poderes públicos (excepto naturalmente nos casos em que esteja em causa a segurança e bem estar da criança). A isso se chama liberdade.


    O Estado deve ser laico, mas há uma grande diferença entre ser independente das várias religiões (nomeadamente das mais dominantes), e ser militantemente ateu e anti-religioso (ou mesmo especificamente anti-cristão).
   
    E se alguma dúvida houver de que este video-panfleto não é ideologicamente inocente, pense-se nas veementes críticas que suscitaria se, em vez de uma mensagem marxista/ feminista, contivesse explicações sobre os factos insofismáveis de que o aborto implica a eliminar uma vida humana, de que o sistema reprodutivo tem como objectivo (do ponto de vista biológico/darwiniano) a perpetuação da espécie (e não finalidades meramente recreativas), ou que todos os países em que o marxismo/comunismo chegou ao poder se transformaram em ditaduras brutais.

    Utilizar meios públicos para doutrinar as gerações futuras desde uma tenra idade numa determinada ideologia, substituindo-se ou até impondo-se às respectivas famílias, é próprio dos regimes totalitários, não das democracias.

    Portugal não é, obviamente, um estado totalitário, e precisamente por isso a televisão pública não se deveria comportar desta forma.

 

    Nuno B. M. Lumbrales

    
    

    

    

quinta-feira, 2 de julho de 2020

Governação Sã

    A exigência ética de um Governo que se preocupe com todos os seus cidadãos dificilmente pode ser contestada no nosso tempo, pelo menos no âmbito de uma sociedade democrática.

    Ela implica que um Governo democrático procure encontrar soluções que tutelem adequadamente, e com o mínimo sacrifício recíproco possível, todos os interesses e direitos em confronto quando toma uma opção legislativa, ou pratica algum acto de governação ao nível do Poder Executivo.

    A isso se chama, em direito constitucional, "concordância prática".

    Daqui resulta que um Governo tenha o dever de procurar e encontrar soluções que sejam as melhores para a sociedade como um todo, e não para determinados grupos específicos, sejam eles os tradicionalmente mais apoiados pela direita, ou os tradicionalmente mais apoiados pela esquerda.

    Por essa razão, os partidos políticos mais adequados para exercer o poder serão aqueles que dirigem a sua mensagem política a todos os cidadãos e grupos sociais, tendo-os como destinatários da sua mensagem e como seus potenciais eleitores, tendo-os assim em linha de conta no seu programa político.

    Pelo contrário, os partidos que, quer à direita quer à esquerda, dirigem a sua mensagem política apenas a determinados sectores ou grupos sociais, omitindo ou hostilizando os demais, são partidos cuja visão do Mundo e dos problemas é necessariamente limitada e parcial, porque enviesada à partida pelo ponto de vista específico dos seus representados.

    Tais partidos não são inúteis, e existem precisamente porque os grupos sociais que defendem sentem a necessidade de dispor dessa representação política, muitas vezes por se sentirem ignorados pelos sucessivos governos. Dão, e bem, voz política a esses grupos.

    Mas nunca deverão ter uma influência decisiva na governação.

    Nuno B. M. Lumbrales

quarta-feira, 1 de julho de 2020

O Manguito aos profissionais de saúde - Farsa em III Atos e uma reflexão

I Ato - A necessidade

Chega sempre o dia em que o país precisa de nós. Eu não descarto que chegue o dia dos profissionais de seguros na área de marketing de produto cumprirem o seu sacrifício pátrio. Mas o mais provável é que continue a tocar a militares, forças de segurança, profissionais de saúde, proteção civil e em suma todos os que são necessários à linha da frente da satisfação das necessidades de uma sociedade numa lógica ao estilo de Maslow. E a verdade é que tenho sempre a sensação de que a Pátria se comove a ver partir tropas para a linha da frente. Lenços assomam à janela, correm lágrimas, sopram-se beijos, batem-se palmas. Há genuína comoção mas também há inconfesso alívio do "antes ele do que eu" no momento de ir chafurdar no lodo. Até aqui tudo normal, faz parte e estes momentos fazem-se de vocações, compromissos, sacrifícios, balas que assobiam e a álea dos que vão e os que ficam, os que sobrevivem e os que não.

II - O sinalagma

É a consequência exigível e de justiça elementar. Mas também diz o povinho que quem paga adiantado é mal servido. Aqui é ao contrário mas dá no mesmo. O Estado paga mal a quem o serve adiantado e mais uma vez adiantado o sinal em palmas palavras e condecorações a Res Pública faz o manguito ao reconhecimento de um sacrifício de classe. Costumo discutir com outro dos membros deste blog se o Estado é pessoa de bem. Ele ironiza sempre que "Obviamente que não!". E na verdade não é de pessoa de bem pagar só a quem não fia, a quem nos põe a faca ao peito de argumentos de casta, castas de alta finança, castas sindicais com poder de mobilização. Porque quando só pagamos a quem nos pressiona às tantas só não pagamos a quem devemos e isso não é de pessoa de bem e se o Estado somos todos nós então estamos todos mal na fotografia quando somos uma Sociedade incapaz de ser grata aos que chafurdam por todos.

III - Questões políticas

Porque é que o PS bloqueia o reconhecimento? Bom a resposta é mais ou menos óbvia, a massa não estica. E por isso coloca-se uma questão mais complexa: porque é que o PS sacrifica o SNS que é vital e até popular e continua a manter mortes cerebrais ligadas ao ventilador dos milhões? E eu sei que a resposta é muito complexa com muitos espartilhos de decisão e culpas de muitas cores no cartório mas ainda assim deviam tentar explicar-nos.

Porque é que a Direita se abstém? A abstenção às vezes é uma matreirice política de ir à boleia de uma onda que leva para a nossa praia sem termos que nos desgastar a remar.

Será que a Esquerda que propõe sabe onde se desencantaria a massa?


(...) e uma reflexão

Esta questão do SNS é uma concretização de uma questão maior que eu tenho. A de uma reflexão que tem que ser económica e financeira - porque a massa não estica - mas que é também ética e filosófica sobre questões salariais (ou talvez de uma forma mais ampla sobre questões de devolução de valor) numa sociedade que tem seriamente que refletir sobre os contratos sinalagmáticos com os que cuidam da sociedade. E a Lei do Mercado - quer no sentido de oferta e procura - quer no sentido do mama quem chora e mama quem põe a faca ao peito - é evidentemente inepta à melhor justiça.

A Duplicidade do Insulto - ou Quando Este se Torna um Elogio

Com a crescente polarização política das sociedades ocidentais - fenómeno a que não escapa a sociedade portuguesa, ainda que, como habitualm...